Cultura afro-brasileira ganha livro escrito a partir de encontros entre crianças e anciãs

16 de dez de 2017 - Publicidade

A partir da linguagem oral, a ancestralidade da cultura afro-brasileira ultrapassou barreiras entre gerações, ganhando as páginas do livro “Histórias que Agbá me Contou”, lançado na última terça-feira (12), em Salvador. A publicação foi produzida coletivamente por 17 crianças de 4 e 5 anos, da Escola Municipal José Lino, localizada no Pelourinho. “Aqui no Museu Nacional da Cultura Afro Brasileira, que é o Muncab, tem um grupo de voluntariado [Sociedade Amigos da Cultura Afro Brasileira (Amafro)], que já desenvolve um projeto chamado Erê e já fez ações em várias escolas. Este ano eles convidaram a nossa”, conta a professora Maria Patrícia Soares, responsável por mediar o trabalho, que foi coordenado pela professora Maria Augusta Rosa Rocha, mentora do projeto junto com o Amafro, do qual ela também é integrante.

Maria Patrícia explica que o desenvolvimento do que veio a ser o livro se deu a partir das “histórias contadas por Agbás, senhoras velhas de terreiros de candomblé e de fundações que tratam da cultura afro-brasileira”. Foram dez reuniões semanais, nas quais as crianças opinavam sobre o que gostariam de ouvir e recontar. “Os meninos disseram que queriam histórias sobre os animais, sobre a natureza, de medo. Depois disso, a cada dia tinha uma contadora, a primeira delas, da Fundação Pierre Verger, Dona Cicí, que contou a história do ‘Veganami’. E aí as crianças iam me dizendo as coisas e eu escrevia junto com eles, recontando o que Vovó Cicí contou”, lembra a professora. Fruto deste trabalho coletivo, o livro traz quatro histórias, que ganharam ilustrações dos pequenos alunos: “Veganami – o Bichinho Guloso”, “O Mito de Passinho”, “A Rivalidade entre Oramila e Ossain” e “Etu”.

A professora explica ainda que a construção do livro tem muito a ver com o que já se trabalha na instituição de ensino na qual ela leciona. “O tema no nosso projeto político-pedagógico é ‘O Menino do Pelô’, voltado para atender as questões de pertencimento desta criança que mora no Pelourinho. Então, o ‘Histórias que Agbá me Contou’ veio casar perfeitamente com o que a gente já trabalha, que é a valorização da cultura afro-brasileira, a valorização e o sentimento de pertencimento na comunidade, o sentimento de reconhecimento, como uma criança negra, que tem história, que seus familiares moravam e construíram o Pelourinho”, diz Maria Patrícia Soares, destacando a importância do projeto para desconstruir paradigmas e preconceitos amplamente disseminados na sociedade brasileira. “Em geral as escolas só trabalham com a cultura europeia. A gente tem livros que falam de Branca de Neve, de Cinderela, então a gente está falando com propriedade agora das histórias de nosso povo, de nossos ancestrais. Para nós é muito significativo, do ponto de vista até de quebrar esse preconceito da questão do que vem do terreiro. A gente precisa ver as belezas que vêm do terreiro”, avalia a professora.
O livro “Histórias que Agbá me Contou” teve uma tiragem de 200 cópias, que serão distribuídas entre as instituições que participaram do projeto, a Secretaria de Educação e as famílias das crianças.