Guilherme Bellintani: aos mestres com carinho

15 de out de 2015 - Jornalismo

Querida Professora, sento lá no fundo, mas não é por nada não. Lá no fundo eu sou menos vigiado quando me distraio. E me distraio não é por nada não. É porque eu acho que a aula dura muito, podia passar mais rápido. Gosto da sua aula, mas como as janelas são pintadas de azul, não consigo ver o movimento lá fora. Vou sair mais cedo, viu?

No sábado tem gincana e hoje tem reunião da equipe lá em casa. Desculpe, Pró. Gosto da sua aula, mas gosto também do mundo lá fora. Só estou dividindo o tempo entre as coisas que gosto. Ganhamos a gincana, Pró. E você foi eleita a madrinha da compreensão.

Sei que agora tem essa história de vestibular, e que gincana não cai na prova. Deixe comigo que eu vou compensar. Vou até sentar no meio. Esse pessoal do fundo, às vezes, passa dos limites. Vou suspender o baba nesses dois meses, vai dar tudo certo.

Deu tudo certo, Pró. Cabeça raspada, calouro metido a besta. Vou tentar fazer duas faculdades ao mesmo tempo.

Bom dia, Pró. Desculpe o atraso, eu estava na reunião do Centro Acadêmico. Mas agora cheguei, de corpo e alma. Adoro as janelas dessa sala. Mas me distraem muito. Se fossem pintadas de azul, talvez eu me concentrasse mais. Flávia, me empresta o caderno para a prova de amanhã?

Deu tudo certo, Pró. Hoje é a formatura, você é nossa homenageada. Obrigado, obrigado, obrigado. Sem você e o caderno de Flávia, não sei o que seria de mim. E caiu aquela questão no Exame da OAB. Bem que vc falou. Dei sorte, porque caiu justamente aquele assunto que você mais falava. Mas minha mãe sempre me diz que essa história de sorte é pura sabedoria. Pró, você sabe das coisas.

Oi, Professor, tudo bem? Pode deixar comigo, o que eu começo eu termino, e no mestrado não vai ser diferente. A dissertação tá quase pronta, mas você se importa se eu só mostrar depois? É porque tá faltando uma revisão ortográfica, você sabe, sou perfeccionista. Tô escrevendo, tô escrevendo, escrevi. Ficou bom? Obrigado, professor, pela confiança. Falei que ia dar certo e, imagine, você acreditou.

Sei que o Doutorado é mais pesado. Tem essa história de ineditismo, de uma tese original, precisa de ousadia. Deixe comigo, Professor, só preciso de tranquilidade. Não gosto dessas coisas muito intensas, tipo “escreve logo, escreve logo”. Tenho meu tempo, minha lógica. Posso concluir já na fundamentação teórica? Posso colocar uma roda de conversa como fonte de pesquisa? Posso passar um pouco do limite de páginas? Pronto, tá pronto. Obrigado de novo. Depois da emoção do mestrado, achei que você não apostaria de novo em mim. Só você mesmo.

E, hoje, cá estou, vivo, vivíssimo, sempre procurando aprender um pouco mais. Obrigado a meus professores, que me ensinaram mais sobre a vida do que sobre qualquer outra coisa. Obrigado a Lorda, Ana Lúcia Berbert, Edivaldo Boaventura, e a todos que me compreenderam. Obrigado aos professores dos meus filhos, que fazem deles pessoas boas e capazes. Obrigado a meu pai, professor de muitos, que pouco tempo teve para me ensinar, mas o pouco tempo que ficou fez valer a pena.

* Guilherme Bellintani é secretário de Educação de Salvador