JORNAL A TARDE – Ex-representante da UNESCO no Brasil enaltece parceria com a SMEC em prol da ciência e tecnologia

05 de nov de 2007 - dev

Jorge Werthein

Há alguns anos insistimos na importância da introdução do ensino de ciências desde o ensino fundamental. Fundamenta-se esta insistência na experiência dos países desenvolvidos, cujas avaliações mostram o grande impacto que tem o ensino de ciências na melhoria da qualidade da educação. Dizíamos também que ao democratizar o acesso ao conhecimento tecnológico dos alunos nas escolas públicas, promove-se uma política de inclusão social que é extremamente necessária em uma região tão desigual como é a América Latina. Enfatizávamos ainda a necessidade de melhorar significantemente o ambiente escolar, tornando a escola mais atrativa e um lugar onde os alunos têm vontade de ir e ficar, e assim, conseguiríamos diminuir os níveis de violência tanto simbólica quanto física, hoje presentes com assustadora freqüência no cotidiano das escolas. Reafirmávamos a importância da melhoria das relações entre alunos e professores fomentando o diálogo entre ambos.

A Secretária Municipal de Educação de Salvador acreditou nestas premissas e de forma diligente decidiu implementar o programa de educação de ciências, para o qual a RITLA foi selecionada para realizar sua avaliação. Em esta primeira etapa da avaliação, tivemos o imenso prazer de poder verificar que na experiência de Salvador, ocorreram várias das principais conseqüências que mencionávamos como possíveis com a introdução do ensino de ciências desde o ensino fundamental. Sim, em Salvador, Bahia, foi possível comprovar o tremendo impacto que podem ter as políticas educacionais quando conscientemente formuladas e implementadas.

A necessidade de melhorar a qualidade da educação básica no Brasil tem sido extensivamente discutida. Existem várias as estratégias defendidas para esta finalidade, como por exemplo, aprimorar a formação dos docentes, implantar o turno integral, utilizar as novas tecnologias da comunicação e da informação nas escolas e equipar os estabelecimentos de ensino. Todas são válidas e, certamente, se colocadas em prática, colaborarão para melhorar a educação. Contudo, existe uma alternativa de grande impacto que é pouco lembrada: o ensino de ciências desde os primeiros anos do ensino fundamental.

Esta alternativa é importante para que o Brasil tenha a capacidade de atender às necessidades básicas de sua população, pois, habilita os estudantes a aprenderem a solucionar problemas atuais e a tratar das necessidades da sociedade, utilizando as mais variadas formas de conhecimento científico e tecnológico.

O ensino das ciências, sobretudo em uma abordagem interdisciplinar, amplia e aguça a observação, tão necessária às demais disciplinas escolares, pois as fronteiras estabelecidas entre as diversas matérias tendem, cada vez mais, a ceder lugar a um tratamento pedagógico transdisciplinar, de forma a se estabelecer novas relações entre as ciências humanas e as ciências exatas e naturais. Portanto, uma educação apropriada, de espírito experimental e humanístico, é absolutamente essencial no contexto da revolução científica e tecnológica que estamos vivendo.

No Brasil já existem algumas iniciativas bem sucedidas para a popularização do ensino de ciências, como por exemplo, o programa Ciência e Tecnologia com Criatividade – CTC. A Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA) lançou recentemente o relatório parcial com a avaliação deste projeto no município de Salvador, Bahia. Idealizado pela Sangari Brasil, o programa tem como objetivo dar novo significado a aprendizagem em ciências de uma maneira criativa, possibilitando o resgate da auto-estima dos alunos, valorizando um processo participativo e lúdico de aprendizagem e valendo-se da utilização de diferentes materiais didáticos como livros, jogos, vídeos e materiais para experimentação. Em linhas gerais, o programa transforma a sala de aula em um verdadeiro laboratório.

A avaliação do programa, desenvolvido de forma piloto em onze escolas da rede municipal pública de Salvador mediu a percepção dos envolvidos (alunos, professores, diretores, coordenadores e gestores públicos) quanto à implementação e impacto do projeto no processo educativo. Entre as principais conclusões, verifica-se que o programa cria ambiente de aprendizagem nas salas de aulas para melhorar significativamente o ensino de ciência e tecnologia. Além disso, estimula a criança a pensar e a pensar criticamente, desenvolvendo a capacidade de resolver problemas e o senso de cooperação, trabalho em grupo e respeito ao próximo. O programa também de destaca, pois desenvolve a auto-estima e a autoconfiança das crianças através do fortalecimento pessoal e inclui estratégias que envolvem os pais dos alunos no processo de aprendizagem, transformando a escola em um ambiente mais atrativo o que motiva os alunos a atenderem as aulas, facilitando o aprendizado contínuo durante toda a vida

De uma forma geral, o estudo vislumbrou as inúmeras possibilidades do programa CTC na aprendizagem dos alunos, nas mudanças nas atitudes em seus processos de aprendizagem em ciências, isto é, na maior disponibilidade para estudar, ousadia para aprender, levantar hipóteses, buscar informações, observar e formular explicações. Evidenciou também avanços na compreensão dos conceitos, procedimentos e valores envolvidos nos módulos trabalhados.

Por tudo isso, acreditamos que iniciativas como estas devem ser expandidas e replicadas e, só assim, será possível romper o ciclo de exclusão e atraso que afetam tantas crianças e jovens brasileiros.