Nossa Rede – Cadernos pedagógicos terão a cara de Salvador

15 de set de 2015 - Jornalismo

Reunião do primeiro GT Institucional. Foto: Elisabete Monteiro
Reunião do primeiro GT Institucional. Foto: Elisabete Monteiro

O que os meninos das escolas municipais de  Salvador devem aprender em cada série e como esses ensinamentos evoluem de um ano para outro? É correto que uma criança conheça os números fracionários no 2º ano? Ou que aprenda a produzir textos apenas no 4º? Um monte de perguntas como essas mobilizou cerca de trinta educadores que estiveram presentes na primeira reunião do Grupo de Trabalho Institucional, que aconteceu em 14 de agosto de 2015.

As reuniões irão acontecer uma vez ao mês até a conclusão do processo de construção coletiva das diretrizes curriculares e dos cadernos pedagógicos da rede. No total, serão 80 cadernos para estudantes e professores do 1º ao 5º ano.  Para você não se perder nas contas, é bom lembrar que os materiais serão divididos por unidade – são, portanto, quatro por série, ou oito deles, se somarmos os que vão para os estudantes e os que irão para os professores. Quer outro número impressionante? Lá vai: serão nada menos que 4.920 páginas com conteúdo próprio, definido pela rede pública municipal de Salvador.

A ação faz parte do Programa Combinado, da Secretaria Municipal da Educação (SMED). Dentre as 112 previstas, está localizada no número 9:  “Elaborar/Revisar e implementar as novas diretrizes curriculares municipais e o material didático de Língua Portuguesa e Matemática para o Ensino Fundamental I, em regime colaborativo com representantes da Rede”.

À frente desta gigantesca tarefa está o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), de caráter apartidário, que  ajudou dezenas de municípios baianos a melhorarem os Índices de Educação Básica (Ideb), especialmente na Chapada Diamantina, onde foi criado, há 18 anos.

Cerca de trinta educadores forma o Grupo de Trabalho Institucional. Foto: Luciana Rios
Cerca de trinta educadores participam do GTI. Foto: Luciana Rios

A ideia é que os cadernos pedagógicos de Língua Portuguesa e Matemática dêem unidade à rede, fazendo com que os alunos de todas as regionais (Cidade Baixa, Itapuã, Centro, Orla, Cabula, Cajazeiras, Subúrbio I, Subúrbio II, Pirajá e São Caetano) aprendam de maneira parecida.  Esses materiais irão orientar o trabalho dos professores nas escolas fazendo com que os livros didáticos, numa inversão de lógica, passem a funcionar como apoios nas salas de aula.

O modo como esse material será construído é pioneiro na educação pública brasileira. Por isso, muitos dos que estavam ali disseram estar participando de um “momento histórico”.

Uma dessas inovações é que os cadernos didáticos trarão as identidades culturais de Salvador.  A realidade cotidiana irá para dentro da sala de aula.  Os meninos poderão aprender matemática financeira com as placas de geladinho que espraiam-se pela cidade, por exemplo, ou ter aulas de português a partir das músicas das Ganhadeiras de Itapuã.  Além disso, as páginas serão ilustradas por desenhos feitos pelos estudantes e por imagens produzidas por artistas baianos.

O primeiro caderno deve chegar às mãos dos alunos e dos seus professores já no começo do ano letivo de 2016.  Para isso, será preciso uma força-tarefa para dar conta do trabalho de elaboração e edição dos materiais. Para cada ano, haverá um elaborador de Língua Portuguesa e um outro de Matemática. São eles que irão sistematizar as contribuições de todos os professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares da rede de Salvador.

Essas participações vão acontecer de dois jeitos: pelos Grupos de Trabalho Regionais —  verdadeiras oficinas de produção que, como o nome diz, irão ocorrer nas dez regionais de ensino da rede, com a colaboração direta de cerca de mil educadores — e por meio de uma plataforma virtual, acessível a todos os 8 mil professores, coordenadores pedagógicos , gestores escolares e regionais da rede.


A equipe de Língua Portuguesa é coordenada por Débora Rana e Renata Frauendorf a de Matemática é liderada por Priscila Monteiro e Ivonildes Milan, duas duplas com larga experiência na produção de materiais didáticos para diversos estados do País. Já a edição do material ficará por conta de Paola Gentile, jornalista especializada em educação, assim como todos os editores que farão parte da equipe.

Aos trabalhos!

A primeira tarefa das equipes de sistematização foi analisar os marcos de aprendizagem que orientam hoje o trabalho desenvolvido pelos professores da rede. De modo geral, o que eles observaram é que os conteúdos e habilidades que os estudantes precisam adquirir estão presentes nos marcos. Como explicar, então, que os resultados da rede municipal de Salvador sejam tão ruins? Só para lembrar, a cidade tem o pior Ideb entre as capitais brasileiras. Na última avaliação, os estudantes da cidade ficaram com 4, com 40% das escolas em situação de alerta.

Para Priscila Monteiro, da equipe de matemática, é preciso que os materiais didáticos especifiquem de modo mais claro como aquelas habilidades descritas podem ser adquiridas pelas crianças, para que elas aprendam, de fato. Outro ponto crucial destacado na reunião foi a importância de serem definidas as progressões do aprendizado ano a ano. Se os marcos indicam que do 1º ao 5º ano o menino deve aprender adição, o que exatamente muda de um ano a outro?

Educadores acompanham o GT Institucional. Foto: Luciana Rios
Educadores acompanham o GT Institucional. Foto: Luciana Rios

A coordenadora pedagógica da Orla, Jaciara Gomes, atentou para o ganho fundamental de os cadernos estarem sendo construídos coletivamente.  “Antes, recebíamos materiais que vinham de cima para baixo, de modo que os professores não se reconheciam nesses materiais didáticos”.

Gilmaria Cunha, gerente de currículos da SMED, que também participava da reunião, lembrou como essa construção deve ser norteada pelo melhor de cada um. “Não podemos cair no erro de nivelar esse material por baixo. De pensar: ‘ah, meu aluno do 5º ano não sabe nem ler.’ O cenário hoje é a defasagem dos meninos, mas devemos garantir que eles aprendam como merecem”.

Se a manhã foi da matemática, a tarde foi dedicada à Língua Portuguesa. Renata Frauendorf destacou que a principal missão da rede é definir uma concepção do ensino da leitura e da escrita que norteie o trabalho de todos. Hoje, é comum encontrar numa mesma escola crianças que aprendem a ler e escrever de maneiras diferentes.

Para a professora Enaide Tavares, da SMED, a rede municipal de Salvador é, hoje, uma “Torre de Babel”. “Essa rede clama por uma identidade. Não estamos dando conta de ensinar. O sentimento é de não saber para onde ir… O que temos que fazer é isso: procurar uma saída. O nosso foco precisa ser na clareza do que ensinar e na progressão dessa aprendizagem”.

As reuniões já funcionam como um processo formativo, mas a construção dos cadernos também estará atrelada à formação continuada dos coordenadores pedagógicos e diretores escolares, para que o material possa ser bem utilizado e para que se ensine, de fato, a aprender.

Esse mesmo grupo de gestão estratégica é quem irá validar os cadernos pedagógicos antes de serem impressos.  Ao fim da reunião, a coordenadora Jucineide Carvalho falou do respeito e cuidado com que o processo está sendo construído. “A gente sabe que muitas empresas chegam num lugar e não respeitam o conhecimento que nós já temos. Por isso, esse  trabalho nos cativa e nos inspira”.

Para fechar, a coordenadora pedagógica do Subúrbio II, Ana Lídia Lopes, autodefinida como uma “negra dourada”, levantou-se e declamou uma poesia, que no meio dizia assim:

Nem quero ser estanque
Como quem constrói estradas
E não anda
Quero no escuro
Como um cego tatear
Estrelas distraídas

Não havia mesmo melhor maneira de abrir os caminhos do Nossa Rede.

Fotos: Luciana Rios