Diários de Classe: Filme sobre a vida de alunas da EJA é exibido no cinema

10 de abr de 2019 - Publicidade

 “Nasci em Cachoeira e com oito anos vim para a cidade grande ser doméstica na casa dos outros. Imagine aí: Uma criança cuidando de outra criança? Não sabia ler e nem escrever, passei muitas dificuldades, peguei ônibus errado várias vezes, vivia em um trabalho escravo, não podia sair, estudar, não podia fazer nada. Entre 22 e 23 anos, resolvi estudar e mesmo com muita dificuldade, pude começar uma nova vida.”

Essas palavras foram ditas por Maria José Pereira, 47, aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal Deputado Gersino Coelho, localizada no Doron (GRE Cabula). Empregada doméstica e hoje também palestrante do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstica- BA), ela é uma das protagonistas de “Diários de Classe”, longa metragem produzido pela diretora Maria Carolina da Silva, e que foi exibido no cinema de um shopping da capital baiana. O filme conta a história de três mulheres – uma transexual –  que passaram dificuldades por não saberem ler e escrever, sofrendo assim muitas humilhações. No entanto, mesmo diante dos problemas elas buscaram nos estudos, na sala de aula, a liberdade através do saber.

Segundo Maria Carolina da Silva,
gravar esse filme foi uma forma de mostrar para a sociedade que existem milhões
de pessoas que lutam para aprender a ler e escrever, mas também chamar a
atenção para o alto índice de analfabetismo. “Temos essa ideia de que as
pessoas que estão lá no nordeste, no interior. Porém, elas estão aqui na zona
urbana, do nosso lado. Nosso objetivo é mostrar essa realidade da educação que
é pouco documentada no país e pra isso, buscamos a Educação de Jovens e Adultos
(EJA), pois sabemos que ainda há pessoas que desconhecem a sua existência. É muito
importante que a sociedade  se volte para essa  questão porque muitas
pessoas que não sabem ler e escrever estão dentro da escola  e a ideia é
discutir como fazer para que elas só saiam de lá alfabetizadas e com outros
propósitos  para o futuro”, explicou.

Carolina explica ainda como foi
realizado o recorte da vida de três personagens para que as pessoas tivessem
noção da dificuldade que passaram para conseguir estudar. “Esse filme é muito
forte, pois gravamos no presídio feminino, na escola que tem lá dentro. Então, é
um espaço bastante angustiante , apesar de ser um espaço da ressocialização.  Depois filmamos na escola de Maria José com
empregadas domésticas, na sua maioria em sua turma,  e foi muito importante 
a gente ouvir o lado delas. Resolvemos fazer o recorte de gênero, pois notamos
que são as mulheres que estão nesse lugar da educação básica, tanto como
professoras, diretoras  e estudantes. Buscamos uma mulher trans  para
fazer parte do elenco, mas só encontramos uma em toda rede: Tifani Moura.
Enfim, foi muito importante encontrar essas três mulheres, a Maria José, a Vânia
Costa e a Tifani Moura, pois elas nos ensinaram muito e foi uma troca
maravilhosa”, conclui.

Na plateia, aguardando a exibição do
filme, alunos de várias escolas municipais, muitos que há anos não iam assistir
a um filme no cinema.O pedreiro Paulo Santana de Jesus, 39, estudante da Escola
Municipal Madre Helena, situada no Cabula, foi um dos que teve a oportunidade
de assistir o filme. Há quatro anos Paulo não ia ao cinema e pra ele, ver que a
realidade de outras pessoas é parecida com a dele o fez decidir que não vai
mais deixar de estudar. ”O ensinamento que eu tirei daqui hoje foi o de que a
escola é uma das melhores coisas da vida e não podemos fazer coisas erradas. O
ensino que eu não tive quero dar aos meus filho. Quando era criança não tive
como estudar e hoje muita gente me critica, vai estudar pra quê? Se eles bem
soubessem como a educação pode mudar uma vida eles também se esforçariam para
estrar em uma sala de aula. Não deixo mais de estudar”, afirmou emocionado.

Para Creuza Maria da Silva, 56,
auxiliar de cozinha, além de mostrar a dificuldade vivida pelos alunos, o filme
também deixa claro que ninguém deve se achar mais que os outros e que fazer
coisa errada não vale a pena. “Eu achei que ensinou muito para aquelas pessoas
que não sabem ainda da vida e cometem muito erros e querem ser maior que a
outra, não é assim, tem que ser tudo igual, vi isso nas dificuldades que elas
passaram no filme”.

De acordo com a diretora Cátia Silva, da Escola Municipal Gersino Coelho, esse é um ganho para educação. “Sabemos que nossos alunos da EJA precisam de um olhar mais sensível e de uma formação integral. O documentário retrata de forma muito rica aspectos da educação e da vida cotidiana desses alunos sem maquiagem. A realidade mostrada de fato como ela é.”

Cátia Silva ainda ressalta a
importância desse momento para os estudantes. “Nossa experiência como
documentário foi gratificante porque pra gente como uma instituição de ensino,
marcou, motivou, mobilizou, trouxe pra gente uma aluna que se destaca hoje em
vários aspectos por que ela é solicitada para comparecer em palestras e foi ai
que ela se desinibiu e hoje já consegue angariar benefícios da participação
nesse documentário, então pra gente o que vale é que o aluno cresça , ganhe e
se expanda pra vida”.

Depois dessa exibição, o filme
“Diários de Classe” vai ser transmitido no canal Brasil, na Globo News, nos
canais de vlog e pela internet, em data ainda a definir.