21 de março- Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial- Confira matéria publicada no Jornal A TARDE sobre as escolas municipais Maria Quitéria e Eugênia Anna dos Santos

22 de mar de 2007 - dev

Educação busca novos rumos
CLEIDIANA RAMOS

Um tratamento diferenciado para os temas ligados à história da África e da cultura afro-brasileira é rotina nas escolas municipais Eugênia Anna dos Santos, localizada em São Gonçalo do Retiro, e Maria Quitéria, situada em Brotas. Educadores dos dois estabelecimentos dizem que as diretrizes pedagógicas desses temas acabaram por melhorar as relações entre os alunos e entre eles e a escola.

-A auto-estima deles melhorou, e isso está refletindo num tratamento mais respeitoso com o outro, diz a diretora Alda Conceição Souza Barbosa Neves, 56 anos. A Maria Quitéria é uma das escolas apontadas como referência na aplicação da lei pela Secretaria Municipal de Educação.

As mudanças são bem-vindas numa realidade onde as questões raciais, embora nem sempre explícitas, estiveram sempre presentes.

A diretora conta, por exemplo, que já presenciou várias situações em que os pais evitavam declarar a cor dos filhos no momento em que iam fazer a matrícula.

-Os pais usam artifícios como dizer que o filho é da minha cor, conta a diretora, que é negra.

Apontando para o cartaz que tem na porta de todas as salas da escola, a diretora destaca que racismo é um problema que a escola deve se esforçar para evitar.

-É como está escrito nesses cartazes: ninguém nasce racista. As pessoas vão aprendendo a ter esse tipo de comportamento, e a escola deve educá-las, acrescenta.

Para a aluna Luria Regina Silva Guimarães, 13 anos, que cursa a 3ª série, as discussões sobre temas da cultura afro-brasileira têm sido proveitosas. “É muito legal ouvir falar sobre a gente que é negro”, acrescenta.

Um dado interessante: a Maria Quitéria não registra casos de depredação de patrimônio. As paredes continuam limpas, bem como os banheiros e equipamentos, a exemplo da Pracinha Harambe. O nome é uma homenagem a um dos alunos. -É que descobrimos que este nome tem origem iorubá, completa a professora.

TERREIRO – Assim como a Maria Quitéria, a também escola municipal Eugênia Anna dos Santos, outra que é referência, não apresenta sinais de depredação. A implantação das diretrizes da Lei 10.639/03 confunde-se com a própria história da escola. Ela começou de modo informal ainda na década de 1970 e tem uma particularidade: funciona no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, comandado pela ialorixá Stella de Oxóssi.

-A escola funcionava como uma espécie de creche para os os filhos das pessoas do terreiro. Em 1992, foi incorporada ao sistema municipal de ensino, conta a diretora, Ana Lice Mendes. Com a implantação do projeto Irê Aiyô, criado pela doutora em educação Vanda Machado (ver matéria abaixo), a escola saiu na frente em relação ao que manda a Lei 10.639/03.

O nome da escola é uma homenagem à fundadora do Afonjá, mais conhecida como mãe Aninnha.

O interessante é que, mesmo funcionando num terreiro, a escola não está voltada a nenhuma proposta de conversão religiosa.

-Aqui temos alunos de outras formações religiosas, como testemunhasde-jeová, católicos. No início, os pais chegam a ter um certo estranhamento, mas ao conhecerem nossos métodos, eles acabam abraçando a escola e se tornando nossos grandes parceiros”, conta a diretora Ana Lice.

As religiões de matrizes africanas entram no contexto educacional para a explicação de questões como a da contribuição de povos de descendência africana para a formação do português falado no Brasil. Os mitos africanos são usados para a discussão sobre valores tipo fraternidade e organização, geografia e outros temas.

-Uma outra coisa bem interessante aqui é que o terreiro tem todo um espaço verde. Os meninos aprendem sobre a natureza olhando para ela, acrescenta Ana Lice.

Aluno da 4ª série do ensino fundamental na Eugênia Anna dos Santos, Mateus Campos Santos, 10 anos, gosta mais da sua atual escola do que da anterior, que era do sistema particular. -Aqui, eu tenho mais amigos e a escola é muito boa, acrescenta.

Leonardo Gonçalves dos Santos, 9 anos, também vem de escola particular e considera que mudou para melhor na pública. -Aqui tem gente que eu conheço, fala de ser negro e é o que eu gosto de ser. Sempre me achei bonito, diz.

A professora Idaraci do Amaral Leal Sousa ensina há seis anos na Escola Eugênia Anna dos Santos.

Foi uma escolha pessoal. Eu queria muito vir para aqui por conta de a escola ser referência no ensino da cultura afro-brasileira. Tenho aprendido muito, avalia. Ela conta que a escola tem sido muito importante para trabalhar a auto-estima dos seus alunos.

O racismo é um problema histórico e por isso está presente nos livros didáticos. O povo negro teve a sua história negada. Aqui é o inverso dos livros didáticos, mostrando qual a importância do que chamamos de cultura afro-brasileira. Acho que o sonho de mãe Anininha está se concretizando aqui e de uma forma que é muito clara, diz a professora.