21 de Março: respeito, tradição e fé

21 de mar de 2023 - Jornalismo

 

 

Por Eliane Boa Morte*

Seguindo a esteira da temática racial que aponta a pluralidade da população brasileira, foi instituída desde 5 de janeiro mais uma data comemorativa: 21 de março, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Após 20 anos da existência da Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, é promulgada a lei 14.519 de 05 de janeiro de 2023. O que ambas têm em comum? A primeira obriga a inserção da História da África e dos Africanos e a herança destes na formação da sociedade brasileira em todo currículo da educação básica e a segunda institui a celebração das ‘tradições e das raízes’.

Estas leis surgem quando há uma percepção de que o coletivo não entende a necessidade de que uma suposta minoria, em direito e não numericamente falando, está sofrendo uma pressão indevida no seu direito de ser o que é.

Importante frisar que as religiões oferecem sistemas de sentido baseados em imperativos que determinam o viver das pessoas ao ponto de influenciarem de forma política na administração pública, incluindo, aqui, a história do Brasil colônia – para atermos ao nosso caso.

O período colonial brasileiro foi atravessado por dogmas de cunho religioso: sua regência no sistema econômico escravista, os jesuítas e seu sistema educacional etc. Além disso, nosso cotidiano é regido por datas religiosas que ciclicamente se apresentam no calendário como feriados. Agora, se nosso lazer e trabalho são determinados por estas datas e as achamos normais e comuns, cabe investigar, por que religiosidades específicas precisam da força da lei para serem resguardadas e aceitas?

Afinal, as datas comemorativas se estabelecem simbolicamente na contagem dos dias para organizar a sociedade por meio da memória que aquela celebração significa para seu povo. Sob um regime democrático, faz-se primordial o diálogo e é isto que está em voga no momento, marcado por lei, a ser discutido: Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. E, para haver diálogo, é preciso que tenha escuta. E escutar exige disposição.

Mais uma vez o conhecimento da história e a preservação do patrimônio cultural dos negros e negras que formaram nosso país são reconhecidos pela força da lei para que, assim, a população negra deste país seja respeitada em suas manifestações, tradições e fé. Contudo, não podemos nos aferrar às datas comemorativas, pois elas apenas reforçam o que devemos preservar e refletir no nosso cotidiano, mas é através deste calendário instituído por simbolismos que doravante o dia 21 de março marca mais uma data que retoma a força de existir, resistir e de recriar conhecimentos milenares que constituem o ser negro e negra em solo brasileiro.

*Eliane Boa Morte é doutora em Educação (UFBA) e coordenadora do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico Raciais (Nuper) da Secretaria Municipal da Educação (Smed)