“Estudar pra mim é tudo em minha vida.” A afirmação é de Eunice Rodrigues dos Santos, 86 anos, educanda da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Municipal Ulysses Guimarães, em Fazenda Grande I. A modalidade de educação básica de ensino é destinada ao público que não completou as etapas de ensino ou não teve acesso à educação formal no período regular.
Neste ano, a rede municipal de Salvador tem 10.122 alunos matriculados na EJA, com ampla diversidade etária, a partir de 15 anos. Do total de educandos, 1.337 têm idade acima de 60 anos e 28, mais de 80. Isso significa que 13,5% dos matriculados são idosos. A faixa etária com maior número de matriculados é a que compreende entre 50 e 59 anos, com 2.223 matrículas, representando 22%. A modalidade apresenta, ainda, expressiva presença de adolescentes. E, no total, a predominância é de mulheres. Trata-se, ainda, de uma educação inclusiva, que atende educando com deficiência. “Nesse aspecto, é importante frisar que a inclusão é uma característica de toda rede municipal”, afirma Adenildes Teles, diretora pedagógica da Secretaria Municipal da Educação (Smed).
Adenildes destaca a importância da EJA como instrumento de reparação social, de qualificação para melhores condições de vida e de trabalho, bem como de satisfação e desenvolvimento pessoal, de recuperação da auto estima. “Considera-se, que manter unidade escolar, com equipe de profissionais completa, com alimentação, segurança, fardamento, uma estrutura física adequada, fortalece a premissa de uma educação para todos e todas, cumprindo todas as legislações para um fortalecimento de aprendizados para uma sociedade com pessoas letradas, utilizando a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais e pessoais”, diz.
Eunice não conseguiu estudar no período regular. Passou a infância trabalhando na roça, na cidade de Araçás, interior da Bahia. Perdeu a mãe aos 14 anos, e o cuidado com os nove irmãos menores passou a ser responsabilidade dela. Logo veio o casamento e filhos, o sonho de estudar foi ficando para mais tarde. “Meu pai brigava muito com a minha mãe para não me matricular numa escola. Ele obrigava a mim e meus irmãos a capinar, plantar, fazer farinha. Se a gente não fizesse, apanhava. Acabei de criar os irmãos, casei e tive filhos, eles cresceram e eu finalmente pude realizar meu sonho”, conta.
“Nunca é tarde pra quem quer aprender. Eu me sentia incomodada de pedir ajuda para as pessoas, queria minha independência”. Há quatro anos, Eunice entrou para a escola e toda noite segue determinada para a sala de aula. E quem acha que a idade a impede de fazer planos está enganado, ela já está se articulando para cursar o ensino médio.
Tecnologia – Colega de sala de Eunice, Edgard Santos estudou até o 4º ano, mas teve que deixar a escola para garantir o sustento da família. Mecânico de manutenção aposentado, nunca esqueceu o quanto é importante estudar. A idade não é impedimento, ele se atualiza constantemente, tem aplicativo no celular para estudar Inglês, gosta de Matemática e diz que Português é a matéria mais difícil.
“Pra mim é um estímulo ter uma colega de sala com a mesma idade, nós estudamos juntos, tiramos as dúvidas e contamos com a ajuda dos outros alunos da turma também. Precisamos evoluir e isso acontece através do estudo. Para adquirirmos uma posição melhor na sociedade temos que estudar”, defende Edgard.
Encantada com a determinação dos educandos, Vera Dantas, gestora da escola afirma que eles são muito tranquilos e dedicados. “Eles chegam cedo para a aula, logo se entrosam com os colegas de sala, os professores falam muito bem deles. O trabalho com adultos da EJA é fascinante. Estou na rede há quase 17 anos e desde então trabalho com esse segmento. Com adulto o retorno é de imediato. Precisamos voltar a olhar o projeto noturno com prioridade”, destaca a gestora.
Adenildes Teles destaca também a importância da EJA para o combate a um grave problema existente no Brasil. O país tem cerca de 11 milhões de analfabetos, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, a taxa de analfabetismo para homens de 15 anos de idade ou mais foi de 6,9% e para as mulheres de 6,3%. “A EJA tem a missão e o potencial de mudar essa realidade”, frisa, lembrando que a Educação é fator fundamental de desenvolvimento da sociedade, com impactos na economia, na redução da violência e da desigualdade social.
Matrículas – Para quem quiser voltar a estudar, a Rede Municipal de Educação de Salvador mantém as matrículas abertas o ano todo, basta procurar uma das unidades de ensino com turmas voltadas a essa modalidade. “Nossas escolas que oferecem EJA estão com as portas abertas para receber todos que querem se alfabetizar ou retomar os estudos”, conclui Adenildes.
Fotos: Bruno Concha