Fundadora e atual coordenadora do Núcleo de Políticas Educacionais das Relações Étnico-Raciais (Nuper) da Secretaria Municipal da Educação (Smed), Eliane Boa Morte é enfática: as questões étnico-raciais não devem ser discutidas apenas em datas pontuais, a exemplo de novembro, mês que abriga o Dia da Consciência Negra. Conforme a doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), a temática tem que ser trabalhada o ano inteiro, dentro do conteúdo curricular e em toda a sociedade, para que se combata o racismo, nas suas mais diversas formas, e se crie uma consciência antirracista.
Essa inquietação de Eliane, que atua na Rede Municipal há 16 anos e é autora do livro História e Cultura da África e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Os Adinkra, virou sua defesa na tese de doutorado e motivo para criar uma comissão formada por integrantes do Nuper e especialistas convidados, que se debruçaram em estudos para elaborar o Referencial Curricular Municipal para Educação das Relações Étnico-Raciais. Esse documento será apresentado aos professores da Rede Municipal para que eles sigam as orientações de como deve ser trabalhada a temática nas unidades de ensino de forma transversal. Nesta entrevista, a pesquisadora fala sobre a temática étnico-racial e especialmente sobre o Referencial.
Qual a proposta do Referencial Curricular Municipal para Educação das Relações Étnico-Raciais?
Eliane Boa Morte – Temos mais de 80% de matriculados negros e não temos uma discussão para esse público. Não é uma questão de obrigação e sim do óbvio. O referencial surgiu com a necessidade de dar uma orientação aos profissionais de educação de como trabalhar a temática étnico-racial, de uma forma transversal. Trabalhar em sala de aula o mesmo conteúdo curricular associando à temática racial, nos problemas de matemática, nas questões de português, inserir o cotidiano que tenha relação com o assunto para que a criança se sinta representada, inserida, fazendo parte.
O que motivou a construção desse documento?
Eliane – Estamos sempre fazendo uma discussão de como falar sobre a temática racial e como as pessoas têm certa dificuldade de tratar sobre o assunto, elas se sentem mais seguras fazer apenas em novembro. Todo mundo só fala da consciência negra num mês específico e precisamos falar o ano inteiro. Em função desses questionamentos, o referencial vem para orientar como os professores devem abordar a temática em sala de aula independente da data comemorativa.
Quem trabalhou na elaboração do documento?
Eliane – Montamos uma comissão com integrantes do Nuper para elaborar o documento a partir da temática racial. Trabalhamos de maio a dezembro discutindo temas e definindo de que forma seria o documento.
Quais assuntos podem ser elencados para inserir na grade curricular?
Eliane – Quando você pensa em história da África, africanos, formação da sociedade brasileira, econômica, política, cultural e a questão indígena é um universo de temas, é muita coisa a ser explorada.
Quais os temas abordados no referencial? Como ele está dividido?
Eliane – O referencial está dividido em três grandes eixos: Aspectos conceituais: História da África e Cultura Afro-Brasileira e Indígena; Concepção de Educação étnico-Racial, entre outros. Aspectos metodológicos: Educação Escolar Quilombola e Educação do Campo; A infância no Brasil: Um breve olhar sobre as crianças negras; Aspectos orientadores: Livros, vídeos, textos e artigos.
Como você percebe que é trabalhada a temática racial atualmente?
Eliane – Quando se fala do tema é como se fosse uma coisa a mais a ser trabalhada e nunca prioritária. Tínhamos que pensar uma forma de trazer esse tema para o cotidiano. Esse referencial é processo de construção da minha defesa do doutorado, se pensar numa metodologia para trabalhar história da África nos anos iniciais e no ensino fundamental, no documento que será apresentado aos professores nós ampliamos, estamos trabalhando desde a educação infantil até EJA.
Quando o referencial será apresentado aos professores da Rede?
Eliane – No próximo ano. Agora ele passará pela comissão da Diretoria Pedagógica que vai fazer uma leitura. Temos a expertise para falar do tema étnico-racial, mas tem que estar adaptada à Educação Infantil que vai fazer uma leitura e verificar se tem alguma modificação a ser feita.
Os professores passarão por alguma formação?
Eliane – Sim. É fundamental que eles passem por uma formação, para que possamos apresentar as diversas possibilidades de como o assunto pode ser explorado em sala de aula.