“O que um autista falaria para um professor” é tema de live com o escritor e youtuber Marcos Petry

01 de abr de 2021 - Jornalismo

“Como vocês moram longe, não temos como prepará-los, o seu filho é surdo, cego e nunca vai vir a caminhar. O melhor a fazer é deixá-lo em um berço para descansar. Em determinado tempo, a lesão tomará conta do cérebro e ele vai morrer”. Esse foi o relato emocionado de Arlete Boing Petry sobre a informação médica recebida acerca de seu filho Marcos, quando ele tinha apenas três meses de vida. A história foi contada na sexta-feira (26) durante a live “O que um autista falaria para um professor”, promovida pela Secretaria Municipal de Salvador (Smed) em parceria com a Associação de Amigos do Autismo da Bahia (AMA-BA), atividade em alusão ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo 2021, cuja data definida pela ONU é 2 de abril.

Hoje, ao contrário dos prognósticos e em razão do grande empenho da família, Marcos Petry tem 28 anos e foi o principal palestrante da live exigida no Canal da Smed no YouTube. Autista, Marcos tem uma carreira de palestrante, escritor, músico e youtuber, referência em autismo no Brasil. Ele é autor dos livros ‘’ Contos de Meninas e Meninos. Contos de Homens e Mulheres’’ (2016), ‘’Memórias de um autista por ele mesmo’’ (2018), entre outros.

Marcos Petry fez uma belíssima apresentação, mediada pela coordenadora de inclusão educacional e transversalidade da Smed, Jaqueline Araújo. Também participaram da live Estela Santana, psiquiatra e psicanalista da AMA, Piton Miranda, fisioterapeuta que atua na coordenadoria, a mãe e professora de Marcos, Arlete Boing Petry e os intérpretes em libras, Roni, Priscila eTatiana Mendes.

Vivências – O palestrante iniciou sua apresentação compartilhando suas experiências e vivências sobre o entendimento do espectro do autismo, no intuito de aproximar os professores e educadores para o tema. Para Marcos, é na escola que um aluno descobre suas aptidões. São os professores nas escolas que darão as oportunidades que o aluno com autismo vai descobrir dali para frente. ‘’O que um autista gostaria de falar para seus professores é: Deixe-me observar. Tudo o que eu posso ver, eu posso aprender”, disse.

Marcos explicou que autismo vem do grego autós no sentido de ‘cercado de si mesmo’. Uma pessoa que tem mais dificuldade de se expressar para fora. Para Marcos, cada indivíduo é diferente, independentemente de ser autista ou não. ‘’Ele é deficiente? Quando essa fala vem com um olhar maldoso, ela é especulação, não é só curiosidade’’, pontuou.

O palestrante ainda contribuiu com dicas valiosas para os professores sobre como lidar com situações que atrapalham o aprendizado para quem é autista. Por exemplo, se o professor entender que ele precisa avisar que o assunto abordado acabou e que vai entrar em outro, o autista vai ter o processamento da informação muito melhor. Segundo Marcos, o aluno com espectro de autismo quando visualiza algo diferente do seu habitual ele não consegue fazer com que todas as partes do seu cérebro trabalhem juntas. Isso faz com que o aluno com autismo leve seis segundos a mais para entender o que está sendo dito.

“Lá na escola eu ficava viajando quando várias pessoas falavam ao mesmo tempo e gritavam. As aulas começavam em um assunto e a professora não avisava que iria mudar o assunto. Aí eu ficava pensando e viajando ainda no assunto prévio’’ lembrou. Marcos acrescentou ainda que um aluno com autismo sempre dá sinais dos traços desta condição. Brincar ou usar brinquedos de maneira incomum, chorar ou rir em momentos inadequados. Dificuldade em se relacionar com os outros colegas.

Ao finalizar sua apresentação Marcos esbanjou mais talento tocando violão e cantando em seis línguas. “Vamos fazer uma viagem turística sem gastar nada, vamos para Alemanha, Itália, Espanha, Inglaterra, Suécia… Partir é bom, mas voltar é ainda melhor’’ finalizou cantando em Português. Marcos disse um até breve, mas reforçou que em uma próxima oportunidade esse encontro será de forma presencial. “Essa porta se abriu, eu adoraria conhecer Salvador. Aí nasceu uns dos maiores cantores do Brasil’’, disse, fazendo referência a Raul Seixas. No encerramento, ele cantou a música “Maluco Beleza”.

Infância – Professora, Arlete Petry é mãe também de Bruno. Ela contou que Marcos teve complicações ao nascer. Foi diagnosticado com lesão cerebral e problema no coração. “Ele não sentia cheiro, não tinha tato e nem visão. Começamos a estimular todos os sentidos dele. Nossa casa ficou conhecida como casa de loucos, porque tudo explicávamos para ele’’, disse, destacando a atuação da escola Charlote nesse processo.

Arlete pontuou a importância de ter a família unida, trabalhando todos juntos. Segundo ela, o diagnóstico de autismo foi dado quando Marcos tinha entre sete e oito anos de idade. “Ele já estava na escola, eram inúmeras reclamações: Marcos não olha para os professores, Marcos fica se balançando, não fica quieto. Foi quando uma professora colega, pediu que eu estudasse sobre o autismo porque ela achava que ele tinha traços desta condição”, lembrou.

Emocionada, finalizou dizendo: ‘’Saber o que será daqui para frente com o meu filho e com as pessoas que têm autismo, só fazendo o que vocês estão fazendo: informando. Eu acredito muito nos professores. Vejam hoje meu Marcos com 28 anos tudo o que ele já fez, e continua a fazer. Isso não tem preço no mundo’’

Mediadora da live, Jaqueline Araújo falou do sentimento e da oportunidade de ouvir e dividir aquele momento com Marcos. “A rede de educação de Salvador está em êxtase. Ouvir Marcos foi a coisa mais maravilhosa que aconteceu, e superou todas as nossas expectativas. Quando ele começou a falar e tocar o violão, nos derretemos por ele. Quantas capacidades e habilidades ele nos ensinou. As limitações são muito pequenas diante das potencialidades”, finalizou.

Estela Santana, psiquiatra da AMA, completou dizendo que “ouvir Marcos é uma coisa imprescindível porque não é sempre que a gente pode ouvir uma pessoa com autismo, sobre suas necessidades, seus pensamentos e sentimentos”.

ASSISTA – A live “O que um Autista Falaria para um Professor” já conta com cerca de 3 mil visualizações e está disponível no Canal da Smed no YouTube (clique aqui).